antropóloga da Universidade Federal do Rio de Janeiro Mylene Mizrahi declarou nesta quarta-feira (13),
em audiência pública no Senado Federal,
que "se [o governo] for censurar o funk, vai ter que censurar toda a indústria criativa".
A reunião foi convocada para debater a
sugestão de um projeto de lei para criminalizar o ritmo musical, e os bailes associados a ele.
Ritmo originário das favelas cariocas,
o funk é descrito pelo autor da ideia legislativa
– o morador de São Paulo Marcelo Alonso – como “crime de saúde pública à criança,
ao adolescente e à família". A proposta foi enviada ao Senado em 23
de janeiro por meio do portal e-Cidadania, que recebe sugestões da população para o Congresso.
A sessão começou por volta das
11h na Comissão de Direitos
Humanos do Senado, com MCs, representantes de órgãos ligados à juventude das periferias,
produtores musicais e especialistas.
Produtores musicais e MCs de Brasília durante audiência pública no Senado que debateu
proposta de criminalização do funk (Foto: Luiza Garonce/G1)
O senador Romário (Podemos)
é contrário à proposta e disse que, ao assumir a relatoria, tomou “consciência de que existem
pessoas no mundo que vão sempre na contramão daquilo que faz bem.”
“É muito estranho num universo de 20 mil pessoas, não aparecer ninguém aqui pra defender o
que é ridículo, o preconceito.”
Retrato da realidade
A primeira da mesa a falar foi Mylene
Mizrahi, estudiosa do funk como "música de crítica social e inventividade cultural". Ela destacou
a importância do ritmo como expressão de uma parcela marginalizada da população.
“O funk traduz a sociedade em que vivemos e propõe conversas sobre ela, ao contrário do que
está sendo proposto aqui."
“Não adianta achar que acabando com o funk vão se acabar com as mazelas do Brasil.”
Segundo ela, a proposta de criminalizar
o ritmo é uma forma de tentar
"fechar os olhos para a própria responsabilidade social" com as desigualdades e a carência de
políticas públicas eficazes no país.
Bruno Ramos, coordenador da Liga do Funk, fala em palestra (Foto: Caio Kenji/G1)
O representante da Secretaria Nacional da
Juventude, Bruno Ramos, diz seguir pensamento similiar. “É fácil empurrar o problema pra debaixo
do tapete da periferia", disse.
“Se não é pela mão do crime organizado, é pela mão do trabalhador mal remunerado que
o dinheiro chega na periferia."
"Além do futebol, o funk é uma das
poucas oportunidades de sair dessa realidade.”
MC Koringa (Foto: Divulgação/ MC Koringa)
Autor dos hits "Taca taca" e "Tamborzão ta rolando",
o MC Koringa também falou brevemente
sobre o início da própria trajetória no funk, aos 16 anos.
Na época, o sonho dele era ter uma
banda, mas a família não tinha
dinheiro para comprar qualquer
instrumento. "Por meio de uma batidinha eletrônica qualquer,
consegui fazer música e cantar minhas letras."
"O que o jovem da favela vive é
o que canta. Será que se o que está exposto aos olhos dele fosse diferente
ele não cantaria uma outra realidade?"
O funkeiro estourou em 1996,
quando participou da coletânea
"O melhor da Rádio Imprensa Vol. 2", produzida pelo DJ Marlboro
. Foi com o lançamento da música
“Pedala Robinho”, em 2005, que MC Koringa alcançou autonomia no funk, com produção própria.
Para ilustrar o alcance desse funk
e a importância que o ritmo tem para o Brasil,'
a antropóloga Mylene contou que esteve recentemente em Paris, na França, e escutou um
''flautista tocar “Bumbum tamtam”, do MC Fioti, dentro de um café em Marrais – bairro nobre da cidade.
“Quem quer a criminalização
do funk que venha a público e diga que não sabe viver em democracia.
Que quer submeter e castrar a juventude, em especial a pobre.”
Sobre isso, o Mc Bob Rum destacou que morador da favela só
começou a se orgulhar da região onde vive quando a música “Eu só quero é ser feliz”,
de Cidinho e Doca, lançada em 1995, virou hit em todo o país.
“A gente começou a sentir orgulho de morar em Santa Cruz, na Vila da Penha, na periferia.
Um orgulho que estava reprimido.”
Apelo sexual
Os pancadões são bailes funk que ocupam ruas e avenidas da periferia de São Paulo (Foto: Jardiel Carvalho/R.U.A Foto Coletivo)
Quanto às letras de cunho sexual, taxadas de sexistas, machistas e ofensivas,
Bruno pediu desculpas em nome da “massa funkeira”, mas ressaltou que não é o funk quem reforça estes comportamentos assimilados culturalmente ao longo dos anos.
“Eu, como funkeiro, não concordo com algumas coisas que são colocadas nas letras.
E como homem digo que ser machista não é um orgulho. Peço desculpas pelo
‘funk putaria’. Mas não é o funk que reforça. Colocamos o dedo na ferida,
falamos sobre machismos e temas que são tabus na sociedade.”
Ideia legislativa
A proposta foi enviada ao Senado em 23 de janeiro de 2017 por meio
do portal e-Cidadania e havia recebido 52.236 votos favoráveis e 38.264 contrários até a publicação desta reportagem.
Para ser debatida em audiência pública na CDH, qualquer sugestão de
ideia legislativa precisa obter, no mínimo, 20 mil votos. O resultado virtual, no entanto, não representa necessariamente o posicionamento da população brasileira.
Por isso, para que a proposta seja transformada em lei,
ela precisa ser aprovada na comissão, onde será reescrita em formato de projeto de lei, e ser avaliada pelo Plenário. Não há prazo para a finalização do trâmite.
No site, também há propostas com mais de 20 mil votos que podem
gerar impactos sociais significativos, como a que pede o fim do
auxílio-moradia para deputados, juízes e senadores, que tem
253.807 apoios e que sugere a criminalização da homofobia, com 55.698
apoios. Ambas aguardam posicionamento da relatoria da CDH.
Outras sugestões que também esperam por um posicionamento da
mesa são a que pede um referendo para a restauração da monarqui
a parlamentarista no Brasil, com 28.564 apoios, a que propõe a
extinção do termo “feminicídio” e a que pede “anistia” do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC).
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